Raul Livre!

30.4.03


Apelo ao presidente Lula
Miguel e Blanca Reyes, respectivamente enteado e esposa de Raúl, estão tentando encaminhar a carta a seguir para o presidente Lula, através de deputados do PT. Leia a íntegra:

”Excelentíssimo Sr. Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente da República Federativa do Brasil


Estimado Sr. Presidente:

Escrevo-lhe junto com minha mãe, Blanca Reyes, porque sei que o senhor é um homem generoso, comprometido com os humildes e de bons sentimentos. Pedimos para que interceda junto com as autoridades cubanas em favor do poeta e jornalista Raúl Rivero.

Minha mãe e Raúl Rivero se casaram há muitos anos para criar um lar generoso que encheu de alegria e amor a todos os seus filhos. Apesar disso, essa família foi destruída há poucas semanas, quando Raúl Rivero foi condenado a 20 anos de prisão, o que nós consideramos como um castigo não merecido e imposto por ser poeta e jornalista.

Raúl Rivero, provavelmente um dos mais conhecidos escritores na Cuba de hoje, foi preso em Havana no último dia 31 de março; julgado na quarta-feira seguinte, 4 de abril, e na segunda-feira, 7 de abril, recebeu uma sentença de 20 anos de prisão.

Com o objetivo que o senhor forme sua própria opinião sobre os fatos, envio em anexo a cópia do auto de prisão, com os cargos e evidência, que a Promotoria Geral da República de Cuba apresentou contra Raúl Rivero, sob a acusação de "atuar contra a independência e tratar de dividir a integridade territorial do Estado."

Nós consideramos que o delito é extremamente ambíguo e que, na realidade, penaliza opiniões e a prática do jornalismo que normalmente a lei protege em qualquer nação do continente americano, incluindo, claro, o Brasil. Além disso, a evidência apresentada contra Raúl Rivero carece de qualquer valor incriminatório.

Como o senhor pode comprovar no auto de prisão, a promotoria baseou a acusação no fato de Raúl Rivero e "seu cúmplice" - outro jornalista - portavam um gravador, arquivo pessoal, um aparelho de ar condicionado e uma trinca de cadeiras de plástico (sic).

Deixe-me, por último, enfatizar que desde o momento da prisão até o julgamento transcorreram apenas 72 horas e que Raúl Rivero não pôde apresentar evidências em seu processo de defesa. O julgamento de Raúl Rivero aconteceu a portas trancadas. Em apenas uma semana, Raúl foi preso, julgado e sentenciado a 20 anos de prisão.

Permito-me anexar também uma breve biografia de Raúl Rivero e alguns artigos que intelectuais importantes publicaram nas últimas semanas sobre os acontecimentos em Cuba. O Prêmio Nobel de Literatura, José Saramago; o ensaísta uruguaio Eduardo Galeano e o novelista mexicano Carlos Fuentes, entre outros muitos, têm utilizado palavras claras de repulsa a esses fatos.

Minha mãe aguarda o regresso de seu esposo com o coração partido e quem estas linhas escreve estariam sumamente agradecidos se o senhor quisesse contatar as autoridades cubanas para pedir clemência.

Os poetas nunca devem estar presos e, além disso, neste caso, a libertação de Raúl Rivero contribuiria para diminuir a tensão que se acumularam na sociedade cubana nas últimas semanas.

É claro, se o senhor deseja mais informações sobre esse assunto, pode nos contatar a qualquer momento.

Muito obrigado por sua atenção.

Atenciosamente,

Miguel Reyes
1545 NW 8 Terrace
Miami, Fl 33125
USA

Blanca Reyes
Peñalver 466 entre Franco y Oquendo Apto. 9
Centro Habana
Ciudad de La Habana 10300
Cuba”


Artigo de Raúl
Este artigo foi publicado por Raúl Rivero há dois anos em vários veículos impressos e eletrônicos. Recentemente, nos dias 4 e 22 de abril, foi republicado pelos jornais La Nación e New York Times, respectivamente. Apesar de ser referir a um episódio ocorrido há algum tempo, ele soa mais atual do que nunca.

Os jornais argentino e norte-americano lembraram que o autor foi condenado a 20 anos de prisão pela Justiça cubana, acusado de ser "um mercenário a serviço da representação americana em Havana."

"Custa-me muito me sentir culpado
Raúl Rivero

La Habana - A letra da Lei sobre a Proteção da Independência Nacional e Econômica de Cuba permite às autoridades do meu país me condenarem pelo único ato soberano que tive desde que tenho o uso da razão: escrever sem mandato.

O caminho que iniciei há poucos anos com a ruptura total com os meios de comunicação e cultura do Governo me converteu em um ser humano diferente, alguém que se liberou por conta própria; alguém que, em um entorno ameaçado e hostil, pôde começar a viagem até a liberdade individual.

Os medos, as prisões, o assédio, só serviram para dar mais valor a esses pensamentos. Eles contribuíram para que minha devoção pela soberania do homem seja agora um instinto indomável, muito mais do que uma noção ou necessidade.

De modo que uma disposição redigida com tinta precederia sobre as armadilhas políticas, envolta numa manobra descuidada para fazer parecer a um pequeno grupo de jornalistas que trabalhamos em Cuba como aliados de traficantes de drogas, proxenetas e mercenários a serviço dos Estados Unidos, me produz apenas um variado coquetel de repugnância.

Tribo caribenha

Há que ver os anos de cárcere que a Lei promete com generosidade, além do temor da prisão e do castigo, com consternação. É apresentar a Nação cubana como uma tribo no Caribe, enclausurada para a informação e o debate das idéias, alheia à revolução e à mudança.

Para o braço no alto dessa nova Lei, assim como para os insultos dos obscuros funcionários do jornalismo oficial, as chamadas ameaçadoras à minha casa, para o sobressalto de cada dia eu tenho - me dou conta quando fico só com minha máquina de escrever - o regozijo de me saber livre. A certeza de que informar com objetividade e profissionalismo e escrever minha opinião sobre a sociedade em que vivo não pode ser um delito muito grave.

Custa-me muito trabalho me sentir culpado. É quase como se me acusassem de respirar ou me anunciassem uma eventual prisão por amar minhas filhas, minha mãe, minha mulher, meu irmão e meus amigos.

Não posso me assumir como um delinqüente por contar com precisão o drama de mais de 300 prisioneiros políticos, ou por informar que foi derrubado um edifício em Havana Velha, ou por publicar uma entrevista com um cubano que quer para seu país uma sociedade plural e plena de liberdade de expressão.

Ninguém, nenhuma Lei poderá me fazer assumir uma mentalidade de gangster ou de delinqüente porque relatei a prisão de um opositor ou de um ladrão; ou porque faço de conhecimento público os preços dos produtos básicos de alimentação em Cuba; ou porque escrevo uma nota em que digo parecer um desastre que mais de 20 mil cubanos partam para o exílio a cada ano - nos Estados Unidos - e outras centenas estão tratando de ficar em qualquer parte.

Ninguém me faz sentir um criminoso, um agente inimigo, nem um apátrida, nem como nenhuma dessas necessidades que o Governo usa para degradar e humilhar. Sou só um homem que escreve. E escreve no país onde nasceu e onde nasceram seus bisavós.


29.4.03


Aviso aos navegantes
Por problemas operacionais e técnicos não pudemos atualizar o site nos últimos dias.

Amanhã, no entanto, teremos uma nova edição, com destaque para a carta que a mulher de Raúl, Blanca Reyes e seu filho, Miguel, assinam e estão encaminhando para o presidente Luis Inácio Lula da Silva e outros artigos. Também atualizaremos a lista de integrantes do abaixo-assinado.

Obrigado pela compreensão.


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